quinta-feira, 5 de março de 2009

Capítulo 6: Mário

Lean acordou as seis da manhã daquela segunda feira de fevereiro onde teria lugar seu primeiro dia de aula naquela nova vida; não tinha dormido muito bem, devido a ansiedade pelo começo do que seria sua nova vida.

Acordara mau e preguiçosamente. Deixou de má vontade a cama, os lençóis e o travesseiro, queria passar o resto do dia com estes amigos de horas boas. Amigos.

Amizade era uma coisa que Lean pretendia evitar. Não queria mais amigos como os que tivera no Rio Grande; gostaria de encontrar uma Susana, até, mas não alimentava esperanças de que fosse possível. Preferia ficar no seu mundo, curtindo sua própria companhia. Lean percebeu que enquanto vivia só, enquanto tinha pra si seus segredos, era feliz. A presença de um terceiro, na relação Lean e Lean, prejudicou sua vida. Fez mau a algo que estava indo bem. Mas Lean não sabia o que era ir bem, viver escondido, guardado não é lá uma grande idéia do que é viver bem. E quem é que sabe o que é viver bem? Mas o garoto estava com isso na cabeça. Ele mesmo era sua melhor companhia, fez em volta de si um casco, de onde não sairia. Mesmo que batessem, mesmo que deixassem recado na secretária. Não queria se envolver em nada, com ninguém em nenhuma circunstância. Inconstância de adolescente! Fato!

Fitando os olhos azuis no espelho do banheiro, Lean sorriu para si, encorajando a si mesmo. Era um dia diferente na vida dele. Estudou toda a sua vida no mesmo colégio e entrar numa escola onde ninguém o conhecia seria um pouco desconfortável.

Lean olhava uma listagem fixada na parede. Finalmente, encontrara seu nome na lista do 1º ano, turma A.

“Turma A?” Lean, virou-se. E parado a sua frente estava um menino. Moreno, um pouco mais alto que Lean, com cabelos negros e olhos verdes. O garoto ficou sem ação, era muito bonito o outro...

“Ei, rapaz, acorda! Ta dormindo ainda?” Perguntou o moreno sorrindo debilmente.

“É. É sim. Turma A”, desconcertado e perdido em seus pensamentos Lean respondeu a pergunta do outro.

“Eu também. Você sabe onde fica a sala?”

“Não, eu sou novo aqui.”

“Ah, eu também. É melhor tentarmos achar juntos. E... como é o teu nome?”

“Lean, e o seu?”

“Mário. Você tem um sotaque diferente, de onde vem?”

“Do Rio Grande do Sul.”

Os dois procuraram juntos a sala 307, que abrigaria o 1ª ano, Turma A. Não foi muito difícil encontrá-la, afinal, espalhados pela escola, havia cartazes que indicavam o caminho. Caminho que era muito mais fácil se seguido junto de alguém. Tudo era novo, tanto pra Lean quanto pra Mário. Era melhor ser dois, do que um. Lean se queixava consigo mesmo, não devia estar fazendo amizade. Mas era sempre assim: Lean se prometia algo, decidia e depois jogava fora as promessas.

A sala não estava muito cheia ainda, algumas meninas abafaram risos quando os dois entraram. Lean ficou vermelho e Mário pareceu não ligar. Sentaram então, bem no centro da sala, Lean, na terceira carteira e Mário na quarta, logo atrás.

“Eu sou daqui do rio mesmo, De Niterói. Conhece?” Mário falou.

“Ainda não. Sou muito novo. Cheguei mês passado, ainda não fui a um monte de lugares.”

“Não esquenta, nem eu fui. Acontece que meu pai achou que seria melhor morarmo por aqui.” Mário dizia enquanto se distraia percorrendo com os dedos as letras feitas com liquid paper sobre a mesa.

“Por quê?” Lean olhou para ele. Mário exitou. “Ah, me desculpa. Não precisa falar.”

“Ta certo, então.” Mário desviou o olhar. E tentou de maneira muito risível mudar de assunto. “Que saco! Daqui a pouco vão pedir pros alunos novos levantarem a mão e perguntar nossos nomes, de onde viemos de que escola... Isso é chato.”

“É a primeira vez que faço isso. Nunca mudei de escola.”

“Sério?! Não se vê muita gente como você por aí.” E riu, grato de que o novo assunto proposto tivesse sido tão bem aceito.

“Você vem do Sul, não é?!” Perguntou uma das garotas que riram, ela estava sentada na carteira a frente da de Lean.

“Sim. Rio Grande do Sul. Meu sotaque me entregou?” Lean sorriu.

“Huhum. Eu tenho uma prima que mora em Florianópolis.”

“É? Mas aí é Santa Catarina.”

“É?” E fez uma careta. “Fernanda.” Disse esticando a mão direita. “Fernandinha, se preferir.”

“Lean,” disse pegando na mão dela. “ E esse é o Mário.”

“Oi, Mário!” Disse Fernandinha acenando de sua carteira para Mário, que fez um meio e tímido sorriso.

Uma professora chegou na sala e a conversa cessou. Não demorou muito para que Lean, Mário e alguns outros levantassem a mão e se apresentassem. E não só nesta aula, mas na outra que antecedeu o recreio.

“Você não vai sair da sala?!” Fernandinha perguntou a Lean.

“Vou, mas to esperando ele.” Apontou para Mário, que guardava o caderno na mochila.

“Ah, ta. A gente se vê lá em baixo.” E saiu saltitante com sua trança.

“Espivitada ela.” Mário ria.

“Adolescentes!” Lean fazia que não com a cabeça, bancando o adulto decepcionado. Depois riu também.

Depois, na hora de a mamãe contente ir ver, Lean passou pelo portão, mas um vergalhão intruso não o deixou seguir. Ele sentiu a pele do lado arder, Mário olhou pra trás e se assustou com a cena.

“Meu Deus!”

“Calma, não foi nada. So me arranhou.” Disse Lean tirando o vergalhão de dentro da blusa com a ajuda do porteiro.

“Eu não sei o que isso ta fazendo aí.” Falou o homem nervoso. “Podia ter sido pior.” Só Lean sabia como tava ardendo e sangrava um pouco.

“Que bom que não foi nada.” Lean percebeu o tamanho estrago em sua camisa.

“Você vai precisar de outra blusa.” Mário também tinha os olhos no rombo que se formou. “Eu te empresto uma.”

“Você tem uma camisa extra na mochila, ou coisa assim?” Lean perguntou enquanto os dois já estavam andando de novo.

“Não, cabeção. Eu moro aqui perto. Você vem até minha casa eu te empresto uma blusa.”

“Ah, não precisa se incomodar.”

“Não incomoda. Se quiser...”

“Vou entrar no ônibus e descer em na porta do prédio, nem vai aparecer muito.”

“Então tá. A gente se vê amanhã.” E estendeu a mão pro outro.

“Valeu!” Lean apertou a mão de Mário.

Os dias foram passando, e assim, as semanas, logo, os meses, e aquele colégio servia de palco pra mais uma amizade entre dois meninos. Uma amizade muito maior que a de quaisquer outros dois meninos. Eram mais que amigos, eram cúmplices. Mais que cúmplices, comparsas, companheiros. E tudo começara no aglomerado formado no saguão de entrada da escola.

“Praia do canto, hoje, Leão?” Um segredo compartilhado, Mário sussurrava ao pé do ouvido no amigo sentado uma carteira à sua frente, não queria que ninguém o adivinhasse.

“Claro. As sete, beleza pra você?”

“Tranqüilo, cara.”

Leão era um apelido que Mário dera a Lean em função de seu nome. Praia do canto era como os dois batizaram, pra si, uma praia de difícil acesso e sempre vazia. Os dois iam lá pra beber, encher a cara. Tomar uns “goró”. Estava acontecendo de novo. De novo não! Não, não, não! Distraído, Lean, coitado. Não se deu conta, se foi deixando levar.

Sentia falta do amigo, se longe. Gostava do seu cheiro; seu sorriso o agradava, sua voz nos segredos, sua atenção. Ah, não! Laços. Quando deu por si esteva atado num. Mas era um laço bom demais. Aproveitava cada instante com Mário só para estar perto. E foi na praia do canto, quando um Mário um pouco mais feliz do que o normal, gargalhou de uma história sem importância, que Lean parou. Observou o outro e sentiu. Deu por si. Estava amando. Aqueles olhos serrados de tanto álcool, que o olhavam tão profundamente. Lean sentia o coração vibrar em cada momento em que os dois se abraçavam em momentos de “quase queda”, em função da dificuldade de andarem na areia e por estarem alterados.


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