quinta-feira, 5 de março de 2009

Capítulo 3: Abrindo o jogo - Levi

Ou se conta ou se fica em silêncio.

Ou se tem certeza ou se mergulha na dúvida.

Ou mostra a cara ou fica guardado.

Ou diz que ama ou cala-se.

Ou aproveita o amor ou fica na dúvida.

Ou sente o gosto do desamor ou fica na dúvida.

Ou diz ou não diz.

Ou isto ou aquilo.

Ou aquilo ou isto.

Não dá pra ficar escolhendo o dia inteiro.

E nem por uma vida inteira.

As malas estão feitas.

E a transferência decretada.

Como era costume entre os amigos da Rua Diná Moura, estavam todos na rua àquela hora. Era Natal, e a tradição era de depois de cearem com a família, irem para a rua ficar de papo pro ar até quando agüentassem.

Naquela noite feliz, Lean foi o primeiro a sair para a rua. Ele sabia o que queria fazer e queria aproveitar toda e qualquer oportunidade de estar a sós com Levi. Mas logo de cara, suas expectativas foram quebradas. Christian, um de seus amigos, foi o primeiro a vir, depois dele. Seria essa decepção um sinal vermelho? Uma simbologia que refletisse a decepção ainda maior que teria naquela noite? Mas não queria pensar nisso, não quis dar trela a maus presságios.

Depois de algum tempo conversando com os amigos, foi que o coração de Lean disparou. Lá estava o bom velhinho, talvez invisível, pois tudo o que Lean via era seu presente caminhando pela rua.

Lean não sabia se por sorte, acaso, ou ajuda divina, todos foram indo embora aos poucos, até que às três da manhã só restavam Levi e ele sentados na calçada. O menino tremia mais do que nunca agora. Um pecador perante um padre, querendo saber sua penitência depois de confessar o alvo errado.

“Levi,” Lean o chamou e olhou para os cadarços brancos de seu tênis preto.

“O quê?” Levi já estava com os olhos serrados, juntaram-se o sono e todas as bebidas alcoólicas consumidas pelo jovem. Lean não sabia explicar, mas aquele estado, no qual se encontrava Levi, o apetecia ainda mais em relação ao garoto.

“Eu gosto de você.” Talvez o álcool que corria em suas veias tenha lhe ajudado nessa tarefa tão árdua e que há muito vinha sendo adiada.

“Ai, meu Deus, lá vem papo de bêbado. Agora vai começar a chorar...”

Lean puxou o outro e aproximou o rosto dele ao seu. Seus olhos se encararam por um tempo e a bebedeira de cada um tomou conta para que não dissessem nada, apenas se olhassem. Olhos nos olhos. Os narizes quase se tocando. Na sua pele, Lean sentia a respiração quente do garoto que mais amara em toda a sua vida. Que era vivida há longos quatorze anos.

“Não é papo de bêbado! Eu sou apaixonado por você. É isso. Eu sou gay. E amo você, o meu melhor amigo.” Lean ainda olhava nos olhos de Levi. Cara a cara.

“Pera aí, cara! Quê que ‘cê ta falando? Tu me amas? Merda! Num sou viado, não!” Levi se afastou de Lean.

“Não tem problema, eu te amo assim mesmo. Eu faria qualquer coisa pra ter você, nem que fosse só hoje.” Lean tinha esperanças.

“Isso vai fazer de mim um viadinho como você?”

“Não. Você vai ser o “homem”.”

“E você a “mulherzinha”.”

“Se assim preferir chamar...”

“Vem. Meus pais estão dormindo e minha irmã foi passar o Natal com o namorado. Ta tudo tranqüilo lá em casa. Mas vou te avisar, ninguém pode saber! Ninguém! Nem a Suzana, sua amiguinha.”

“Ta bom. Prometo nunca falar.” Aquilo não podia ser verdade. Parecia um conto de fadas. Um sonho! Mas os despertadores costumam ser cruéis.

Estamos juntos. Nossas bocas perdidas num beijo úmido, fazendo nossos lábios deslizarem uns nos outros e nossas línguas brincarem de luta livre.

Não acredito que estou aqui. É tudo muito confuso, é outro homem. Não uma menina. Mas um homem. Deus. O que Ele pensa disso? Sei que é bom. Sei que o quero. Quero tê-lo em meus braços e fazê-lo meu. Ele é meu. Está preso a mim por sua paixão.

Dou lhe um beijo, e outro beijo e outro, não quero parar de beijá-lo. Sua boca é suave e se encaixa na minha perfeitamente. Fomos feitos um para o outro. Não. Não pode ser!

Ele é doce, parece estar gostando, o meu segundo. Eu não quero mais nada. Não poderia querer. Eu o tenho, aqui, comigo. Meu sonho, realizado. Valeu a pena todos os anos de “sapatinhos” na janela. Tranqüilo e calmo, assim se mostra. Cauteloso e mui cuidadoso. Tem carinho e sabe me ter.

Eu não acredito no que estou fazendo. Ele está aqui, sendo meu. Sua orelha visita minha boca e seus gemidos tocam uma música suave. Uma serpente ofereceu-lhe um fruto indevido, ele comeu, e comigo compartilhou. Meu Deus!

Seus olhos nos meus olhos me fazem lacrimejar, seus dedos vêm secar. Eu o amo. Eu sou dele. E agora, por inteiro, estou me tornando dele. E sem dor, tamanha sua cautela e atenção. Ele é perfeito. Me ama? Estou conseguindo conquistá-lo? Não posso saber. Creio ser só uma presa. Um objeto de prazer. Não. Não quero crer assim. Tenho fé. Fé e esperança.

Somos um só, agora. Seus olhos me olham com candura, tenho medo de ferir-lhe a alma. Mas não o quero. Quero o agora e nunca mais. Agora, ele é tudo o que eu quero. Amanhã será outro dia. Vejo o me olhar como se eu fosse seu rei, seu senhor. Entrega-se a mim, ele, o meu único. Estou nele. Ele é meu.

Ele me beija. Me trata com carinho. Está em mim? Está “na minha”? Consegui? Não sei. Mas está me beijando. Ele me abraça e me beija a nuca. Sou dele, só dele. Sua mão envolve minha cintura, posso dizer que sou feliz. Tenho-o. Até quando?

Caio em cima dele, estou farto.

Sinto seu peso, estou contente, estou feliz, extasiado. O nirvana é aqui.

Beijo o seu cabelo e de novo sua orelha. Saio de cima dele, deito de lado e o ponho na minha frente, o abraço, no que chamam de conchinha.

Assim adormeceram os dois naquela manhã. Manhã feliz! Ninguém interrompeu. Ninguém atrapalhou. Foi tudo lindo. Um e o outro, estavam os dois felizes. Mas não compartilhavam o mesmo pão. Um queria um simples pão as mo, e o outro buscava croissant.

A vida não é algo fácil. Quem disse isso, em qualquer circunstância, não passou de um mentiroso. Toda maneira de vida exige um preço, um preço justo a ser pago. Ser homossexual tem um preço, ser heterossexual tem outro, ser eunuco também tem. A vida cobra e muitas vezes cobra caro. Há que se dar a César o que é de César, a Deus o que é de Deus, e à vida o que é da vida. A vida... vá entender. Alguém é fecundado, e depois que se fecunda, tudo o que se tem certeza é de que morrerá. A vida é um barco, pequeno e frágil, lançado num mar bravio, sem vela, sem remo, sem porto certo de chegada. Pra quê isso tudo?! Pra quê todo esse devaneio? Sei lá. São cinqüenta minutos do dia dois de janeiro, estou semi-bêbado e com muito sono – fui ver fogos ontem.

O garoto de Vênus acordou solitário na cama de Levi. Por um instante sonhou que o outro teria ido preparar-lhe um café da manhã e fosse trazer numa bandeja... Sonhos! Lean continuou deitado pensando na noite que tivera. Finalmente fora do seu amado. Pertenceu a ele. Seriam assim pra sempre os dois? Ficou ali, ainda deitado, sentido o cheiro de Levi no travesseiro do garoto, pensando em como tudo era bom. Respirou fundo e sorriu para a forte luz vinda da janela. De maneira a completar as alegrias, o Sol resolvera preencher aquela manhã de natal. O sol. O sol!

Já era dia claro. Sua mãe não sabia de nada, deveria estar preocupada. Como Lean explicaria que havia dormido na casa de Levi? Qual seria o motivo que iria inventar? Não, pois tinha de inventar um e dos bons. Mesmo Levi sendo o seu melhor amigo, não havia nenhum motivo pra que dormisse em sua casa. Onde estava Levi, agora? Precisava de sua ajuda.

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