terça-feira, 7 de julho de 2009

Capítulo 9 - Abrindo o jogo - Mário

Eram meio dia e alguma coisa, estávamos nós dois, Mário e eu, sentados a uma mesinha de pedra no pátio da escola. Estava deserto. Naquela hora, o turno da manhã já tinha ido embora e o da tarde ainda não tinha entrado. Nós ficamos lá nem lembro o porquê. Mário tava falando umas besteiras sobre Gramática. Coitado. Não entendia nada de nada nesse assunto. Ele estava com medo de ficar reprovado por que sei lá o quê, e também porque a professora Márcia Leite não ia muito com a cara dele. Ele falou muita besteira, e meu pensamento voava dali e pra li ao mesmo tempo. Eu pensava em Mário, mas não nas idiotices que ele falava. Pensava nele, nos olhos, e no quanto eu queria vê-los apenas a distância de um centímetro dos meus, enquanto nossos lábios se amassem.

Pensava em seu coração, se ele um dia bateria por mim. Queria que esse dia fosse agora, queria que ele me amasse, que ele sentisse por mim apenas uma parte, 1/1.000.000 avos do que eu sentia por ele. Assim ele me amaria demais, de forma que não suportaria. Queria que fosse meu, de mais ninguém. Ninguém o amava como eu. Tenho certeza. Mas meu amor era feio. Minha forma de amar não protagonizava a novela perfeita. Não era bonita, e nem era abençoada na Igreja. Eu não podia amar, esse direito me havia sido roubado. Será que teria de morrer com aquilo preso na garganta?

As horas correm.
Eu não entendo porque o tempo passa.
Passa e passa.
E eu aqui, calado, mudo.
Inércia!
Quem passou cola em meus lábios?
Quem comeu minha língua?
O meu gato não a queria.
Como posso saber?
Nunca perguntei.
Idiota!
Pelos meus tornozelos,
Sinto passar a agonia
E vem discorrendo pelas minhas pernas,
Joelhos e cochas.
Fazendo os meus ossos tremerem.
Sinto-a na barriga,
Embrulhando-me o estômago.
O embrulho foi para o coração,
Lá virou aperto,
O que fez tremer o corpo.
Foi parar no cérebro,
E lá virou certeza.
Voltou ao chacra,
E lá ação.
Subiu a garganta,
Às pregas vocais,
Os lábios se abriram
E a língua dançou:
—"Euteamo."

"Quê?" Ele olhou pra mim.

"Eu te amo!" Fui firme em olhá-lo.

"Como assim? Você me ama?"

"Amo. E sei que não é normal, pra você..." virei me de costas, tinha vergonha de encará-lo. "Eu não entendo isso. Simplesmente amo você, amo demais e não posso parar. E nem quero. Sabe que às vezes até tenho vontade de chorar?! Sei que isso não é normal. É estranho um menino apaixonado por outro menino. Mas pra mim não é... O que me consola, é saber que o Cupido não escolhe suas vítimas; e ele me feriu de você. Por favor, me entenda..." Tomei coragem, não sei de onde a tirei, para olhá-lo. E ele... Ele não estava mais lá.

Eu estava sozinho, sozinho. Foi impossível conter as lágrimas. Elas eram teimosas: migraram dos meus olhos para o meu rosto e chão. Debrucei-me sobre a mesinha de pedra na minha frente, ela estava fria, minha alma estava fria; com o rosto enfiado entre os braços chorei, abafei meu choro, derramei minhas lágrimas.

Aquilo não era humano. Por mais que não me amasse, que me odiasse até, mas me ouvisse e tivesse a dignidade de me dizer não. Mas não era possível odiá-lo. O amor corria em minhas veias ainda, e coagulava. Ardia-me o peito em amor. Tudo o que eu queria era olhar nos olhos dele. Talvez se eu não tivesse sido tolo, ele teria ficado. Se eu não tivesse dado-lhe as costas, ele poderia estar me beijando. Se eu não tivesse lhe falado nada, ele estaria do meu lado, como bons amigos que somos. Ainda o somos depois deste falimento?

Eu queria vê-lo. Ver seus lábios, sentir seu cheiro, tocar seu braços, ouvir o ranger de seus dentes. Eu queria amá-lo. Por meu amor eu seria capaz de tudo, até de me humilhar novamente. Eu queria ser dele. Não queria que tivesse ido embora. Eu o queria ali, ao meu lado. Esse era o lugar dele. Eu queria ser dele, nem que fosse por apenas uma noite. Eu seria capaz de me rebaixar a tanto e de novo...

A sirene tocou, dentro de alguns minutos o turno da tarde estaria, em peso, no pátio. Eu não quis compartilhar minha cara inchada com eles, levantei-me, fui-me de lá.

* * *

Em sua cama, Lean chorou o choro dos justos, dos tristes e dos desesperados. Queria matar seu travesseiro, companheiro de todas as horas. Poderia matar alguém. Extravasar, que fosse. Poderia matar-se a si mesmo. Acabar de vez com sua vida. Negar-se o direito de viver, pois a vida lhe foi dada e ele não soube vivê-la. Ainda a merecia?

Lean mudou de posição na cama e seus olhos foram direto a uma fotografia na qual Mário o beijava no rosto, e Lean olhava para a máquina sorrindo. Respondida a pergunta? Sim, merecia! Merecia a vida como uma criança que sai do ventre de sua mãe. Tinha o que buscar, tinha um porquê de viver. Tinha Mário. Não, não tinha nada. Nada, nada. Amou o travesseiro. Acreditou ser ele, Mário o amamdo. E chorou mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário