sexta-feira, 19 de junho de 2009

Capítulo 8 - Private

Era manhã de sábado, os amigos do colégio estavam prestes a se reunirem na casa de Lean para uma festa de confraternização pelo fim do ano letivo, que se dera na última sexta feira. A turma terminara, agora, a segunda série do ensino médio. Era um tempo de festa, é claro, mais um degrau, mais uma vitória.

A private teve inicio à medida em que os amigos foram chegando e por volta das vinte horas todos já estavam lá. O pai de Lean estava viajando a serviço da Marinha e sua mãe tinha ido para o Rio Grande do Sul visitar a família, ou seja, estavam todos livres. E não demorou muito para aquelas cobras ganharem asas e voarem alto: bebidas alcoólicas começarem ser ingeridas por aqueles jovens de apenas dezesseis anos. Lean prezou sua sobriedade, sentia em si o peso da responsabilidade de ser o anfitrião daquela festa; a casa era sua, e precisava manter o controle.

"Lean, cara, eu preciso de você. Só você pode me ajudar," Fernandinha puxou Lean pelo braço e foi com ele até um canto da sala, um pouco desconcertada ela estava.

"O que foi, amega?" Perguntou Lean, descontraidamente enquanto fingia dançar, balançando a cabeça e os ombros.

"Eu to muito afim do Mário, muito afim mesmo. Ele é um gato e tem muito tempo que to afim dele." Ela olhava atenta pra Lean. "Quebra essa pra mim, dá uma idéia nele, por favor, Leãozinho. Vai lá. Ele é teu amigão." A última frase da amiga tivera o efeito de uma espada, que empalava Lean sem piedade. Ele era seu amigo, "amigão". Não era nada além disso. Ela ainda o chamara de Leãozinho, só quem o chamava assim era Mário. Lean ficou um pouco tonto e perdido, isso não escapou dos olhos de Fernandinha. Depois de roubar um pouco de ar infestado das fumaças dos cigarros de baile, com cheiro de álcool e gente suada de tanto dançar, Lean, falou:

"Tudo, bem. Eu falo com ele." Lean pensou que nunca mais diria algo tão pesaroso quanto... Mas aquilo era pior, dizer pra sua amiga que a "colocaria na fita" do amor da sua vida doía demais.

Era muito altruísta, era muito Isabel, e não queria ficar por aí deixando a marca de uma, nem de duas, nem de cinqüenta lágrimas.

Caminhou até o amigo, no caminho, Verônica não lhe estendeu a toalha, nem Simão lhe ajudou com o fardo. A via foi longa. Era triste, entregaria, em breve, seu ouro nas mãos da pirata. Não tinha escolha, deveria ser aquilo, ou contar a ela que era perdidamente apaixonado pelo garoto.
"Már-io, ouve," uma lágrima abusada e desobediente, como sempre eram as lágrimas, escapou da prisão dos olhos e se aventurou pela face do menino.

"Leão, por que ta chorando? O que foi?" Mário pegou na mão do amigo e o levou até a cozinha, onde não havia ninguém. Sentou-o numa cadeira, sentou-se em outra. "Fala, o que aconteceu?"

"Nada," e forçou um riso. "É que eu... lembrei da festa. Essa festa me fez lembrar da despedida dos meus amigos pra mim, quando vim pro Rio", Lean enfiava os dedos na cabeleira loura, como costumava fazer, quando estava nervoso. "Mas o que eu quero te dizer," pediu a Deus em pensamento que o ajudasse, não podia demonstrar o quanto sofria sem ter de entregar os seus sentimentos. " É que a Fernandinha me disse que ta afim de você e pediu para eu... pr’eu..." As lágrimas tentaram de novo organizar um motim e fugir de sua prisão, mas outra vez o poder divino repreendera uma rebelião.

"Ela pediu pra você...?"

"Pra eu te dá o papo, entende. Ela quer ficar contigo." O rosto de Mário enrijeceu.

"E isso te entristece assim?" Perguntou Mário, seu rosto, agora, tinha um "quê" de esperança.

"Não!" Deus não impedira as lágrimas, apenas retardou sua partida, para que viessem no momento certo. "Eu já disse que é por causa da... da festa de despedida dos meus amigos pra mim." As lágrimas eram feitas de balé, tango e carnaval, dançavam livres pelo pista, confessando no dance floor, a face de Lean. E mais dedos nos cabelos louros.

"Olha pra mim, Leãozinho. Primeiro, não chora. Saudade é uma coisa boa." Mário secou as lágrimas do rosto de Lean. Compreensão e dúvida e um pouco de frustração no rosto do moreno.

"Segundo, eu quero que você diga a ela, que não rola, pois... tem alguém, alguém que manda no meu coração, que manda aqui," apontou pro peito. Olhando firme nos olhos de Lean. "Eu não quero abrir minha selva pra mais ninguém, só uma pessoa tem a chave, e essa pessoa é... É muito especial. E se meu coração é uma selva, essa pessoa tem acesso ao trono. Diz a ela que não dá, eu pertenço a outrem." Mário olhou nos olhos de Lean, como se tentasse passar uma mensagem em morse, que não foi captada, a base receptora estava desligada. Mário ficou olhando as costas de Lean, que agora se distanciava dele.

Feito um pombo, Lean levou a mensagem à Fernandinha ainda desconcertado de todo.

"Ele disse que não dá, Fernanda. Ele diz que tem outra pessoa." Disse Lean de cara emburrada. Fernanda percebeu isso, segurou na mão dele."

"Lê, eu não queria ficar com Mário. Desculpa eu fui infantil." Ela parou de falar, olhou pro lado aflita. "A gente pode sair daqui?"

Os dois foram pro quarto de Lean, e Mário viu aquilo, ficou de lado, como quem não pode participar e se viu pegando mais um copo de hi-fi. Lean fechou a porta, Fernandinha estava sentada em sua cama, o garoto puxou uma cadeira e sentou de frente para ela.

"Fala." Disse Lean diante do silêncio da amiga.

"Eu tava fazendo um teste." Ela evitou os olhos dele. "Eu queria ver sua reação ao saber que eu queria ficar com o Mário," mordeu o lábio inferior envergonhada. "E pra ser sincera, eu percebi que não foi das melhores, você vacilou. Parecia transtornado."

"Mas, onde você queria chegar com isso, Nanda?"

"Eu queria ter certeza de uma coisa," e olhou bem dentro dos olhos de Lean. Pronto, ela conhecia seu segredo, será que tinha dado bandeira? Fernanda sabia de tudo...

"E o que isso quer dizer pra você?" Perguntou um Lean de olhos arregaladas temeroso da resposta.

Fernanda se aproximou muito, e bem rápido, de Lean, que sem poder prever o que viria, foi surpreendido por um beijo. Beijo por beijo, não era tão diferente. Bocas são iguais, no fim das contas. Não concordam em gênero. E Lean respirou de olhos fechados tentando digerir o ocorrido enquanto era atentamente observado pela aflita Fernanda. Ele abriu os olhos incrédulo, e um pouco de alívio se apossou dele; estava seguro, pelo menos.

Ele não falou nada. Percorria seu cérebro na tentativa de encontrar palavras e mesmo que tivesse decorado um bom dicionário, julgava-se incapaz de encontrar uma adequada.
"Lean?! Fala alguma coisa."

"Nanda, isso é muito estranho. Eu nunca pensei em você desse jeito." A menina fechou os olhos, arrependida por colocar tanto em jogo, e além disso: perder. "Você sempre foi minha amiga, e é assim que gosto de você. Eu... eu sinto muito."

"Eu é que fui idiota. Fiz joguete com você e com o Mário só pra descobrir uma coisa que eu podia ter perguntado. Imagina se o Mário aceita. O que eu ia fazer?!" E riu débil de si mesma. "Me desculpa, Lean."

"Tudo bem, amiga." Lean segurou no braço dela.

"Mas uma coisa ainda me intriga," ela levantou os olhos . " O que te deixou tão inquieto nessa história toda?"

"É que... que," Mais mentiras viriam? Não! Tava cansado delas. "Eu gosto do Mário. Eu o amo. E é muito ruim ter que "chegar" em quem você ama pra outra pessoa."

Fernanda parou chocada, o rosto estampava choque e perdia a cor, assim também os lábios.

"Você é gay?" A expressão era de nojo no rosto de Fernanda.

"Sim." A garota, de negra, estava branca feito esta folha de papel na qual eu escrevo. E tinha o olhar fixo em Lean; não porque quisesse, mas por estar estatelada. "Nanda..." tentou o garoto colocando a mão no cabelo da amiga.

"Lean, não me toca!Eu não quero."

"Eu pensava que não fosse dada a discriminações."

"E não era. Até acontecer comigo. Eu não discrimino assassinos, nunca mataram ninguém da minha família. E não discriminava gays, até descobrir que o garoto, que eu amo, é um deles. Por que você deixou que eu me apaixonasse? Por que não impediu isso?! Você devia ter..."

"A culpa é minha?!" Lean levou a mão ao peito. "Ei, eu nem fazia idéia do que você sentia. Isso é neurose sua."

"Neurose?! É você que tem um distúrbio, aqui, Lean. Não eu. Eu sou normal. Uma pessoa normal. Nasci como eu sou. Não mudei. Não virei o lado. Você que tem neuroses, distúrbios, problemas, querido. Você é viado. E isso dói, Lean! Como eu não percebi antes?! Claro! Você e o Mário. Leãozinho pra lá, mariquinha pra cá. Hum!" Ela debochava. "De namorinho os dois. Justo eu, tão esperta..."

"Cala a boca e não fala merda. Você já falou um monte num espaço muito curto de tempo. Não há nada entre o Mário e eu. Absolutamente! Eu gosto dele e isso é tudo; ele nem sabe disso. E espero quer continue sem saber."

"Não se preocupa, não." Ríspida, ríspida. "Eu nunca vou falar nada. De gente como você só quero estar bem longe," e saiu do quarto.

Lean olhou no relógio, e viu que era a hora dos sonhos serem desfeitos, da carruagem virar abóbora. Abriu a porta do quarto que dava para a varanda, uma vez nela, sentou-se no chão. Da e pela grade olhou os poucos carros que se movimentavam lá em baixo. Estava muito confuso. Muita informação; ia explodir o "HD". Mário gostava de uma menina e Fernandinha era apaixonada por ele, Lean; mas agora parecia odiá-lo. E ainda o beijo, que não era diferente demais. Era bem parecido até... E toda a repulsa da amiga. Lean pensou que não poderia mais chamá-la assim. E tudo tinha acabado, existia uma menina no coração de Mário. Ele era apaixonado por essa menina, quem seria ela? Ela manda nesse coração. Parafraseou Lean, a sentença, como se estivesse numa missa e coubesse a congregação repetir aquelas palavras: "Ela manda nesse coração." Pessoas apaixonadas, às vezes, têm a feia mania de jogar "resta um", "paciência" e montar "quebra-cabeça".

Olhou pro céu, tinha vontade de voar. De ser livre, de não estar mais ali, de ir embora para um lugar melhor. Um lugar onde o Cupido não o pudesse ver. Engraçado era que, mesmo depois de anos e anos fazendo a mesma coisa, Cupido não ficou com tendinite! Queria sair dali. Queria ser livre. Queria os pastos verdejantes. Queria deitar-se no colo de Deus, ir dali para um melhor lugar.

Olhou pros braços. Eram asas, agora. O vento batia em sua face, vinha convidá-lo para um passeio em suas asas, mas um brusco trovão acabou com o transe, trazendo, Lean de volta à varanda de seu apartamento. "Xô!" Disse pra si, espantando fantasmas.

A sala da casa de Lean estava lotada de gente bêbada; os colegas de classe levaram alguns convidados, o que aumentou o número de jovens alcoolizados da festa. O anfitrião não tinha clima de festa mais e ninguém se importava com isso. Ninguém queria saber dele. Só queriam mesmo era um lugar sem pais para beber e fumar cigarros de baile escondido.

A lua foi perdendo o brilho, e assim chegava a despedida de muitos colegas. Eram três horas da manhã, quando todos já tinham ido embora. E Lean ficou se perguntando onde estaria Mário, não o tinha visto desde a conversa na cozinha. Parecia ter ido embora sem nem se despedir dele. Como assim?! Não fazia sentido. Eram amigos e não tinha acontecido nada de errado entre eles. Talvez Mário tivesse ido embora com a menina que manda em seu coração. E sabe lá Deus onde estariam ou o que estariam fazendo agora. Será que acontecera alguma coisa na casa do amigo, que o fizesse ter ido embora tão assim, às pressas?

Lean tinha acabado de trancar seu apartamento, e estava dando uma última olhada pela casa pra ver se tinha alguma coisa quebrada, vômito, enfim, queria fazer um balanço geral da private. E foi assim que, caído atrás do sofá, encontrou Mário. Parecia estar dormindo, ou até desmaiado. Lá estava seu melhor amigo. Deitado com a cabeça encostada na parede, seu olhos estavam fechados, sua boca aberta e sua pele pálida. Lean largou a pilha de CD’s que estava em sua mão para ir ao encontro do amigo, socorrer-lhe; não parecia bem.

Tocou-lhe, estava suando frio. Lean pegou no rosto de Mário e chamou por seu nome:

"Mário." E repetiu o nome mais outras vezes até que:

"Lean. Lean, me ajuda. Me ajuda. Ta tudo rodando aqui, eu to enjoado, acho que vou vomitar, não sei. Leãozinho me salva. Me salva, Leãozinho. Leãozinho, não me deixa. Fica comigo, Leãozinho." Seus olhos estavam vidrados, Lean já tinha visto muito outros amigos e a si próprio nesta situação, mas nunca ele. Sempre tão controlado, nunca bebia mais do que devia. Ele não, não seu amor. Não podia estar assim. Tinha medo, que tivesse extrapolado e precisasse de um médico. Não o Mário.

"Calma, Mário. Vai ficar tudo bem. Você só tomou um pileque, isso vai passar logo, logo."
A cabeça de Mário rodou e a boca do garoto salivou, três segundos depois o tapete da mãe de Lean estava inundado com parte da bebida e da comida ingeridas por Mário naquele dia. Lean olhou tudo aquilo, sentiu seu estômago embrulhar, mas não tinha tempo para essas meninices. Precisava cuidar do outro. Sempre que isso acontecia com alguém, havia sempre outro alguém que cuidava e fazia o serviço, assim Lean fugia. Mas desta vez era diferente, eram somente Mário e ele. Tinha que superar essa besteira.

"Mário, ta tudo bem? Você quer vomitar mais?" Lean estava muito aflito, estava sozinho, sem ninguém para ajudá-lo. Deveria levá-lo para o hospital? O que fariam lá numa situação dessas? Injeção de glicose! Esse seria o medicamento. Açúcar! Isso Lean tinha em casa.
Depois de limpar o rosto vomitado do amigo, deu-lhe várias colheradas de açúcar fazendo-o engolir. Sabia qual deveria ser o próximo passo: um banho. Esse seria mais difícil. Segurar o amigo e banhá-lo ao mesmo tempo não seria fácil. Sem contar que era apaixonado por ele; e como se comportaria? Qual seria sua reação diante da nudez de seu amado? Resolveu não pensar nessas besteiras. Mário estava ali, passando muito mau e precisava de sua ajuda, se tinha de fazê-lo, ele o faria.

"Mário, você precisa de um banho. Vem eu vou te ajudar."

"Eu vou tomar banho, eu vou tomar banho." Mário, coitado, queria parecer responsável.

Pôs o amado sentado no vaso sanitário e tirou-lhe a camisa vomitada e lá estava aquele corpo que muitas vezes já tinha visto, e até tocado, num encontrão ou numa brincadeira qualquer, ou ainda num saboroso abraço de amigos . Mas seu desejo era explorar aquele tronco de barriga saliente com seus sentidos, queria ouvi-lo, queria sentir seu gosto, seu cheiro, queria sentir sua alma. Porém não podia. Não daquele jeito. Não com o outro lerdo como estava. Respirou fundo despiu-lhe os tênis e as meias. Com muito cuidado e muito carinho. Faltava-lhe no corpo a calça jeans, Lean não queria tirá-la; Mário ficava lindo de jeans. Com muita dificuldade, o sóbrio admitiu que era necessário tirar-lhe a calça. E assim foi feito. Enquanto Mário resmungava coisas sem sentido, o outro desabotoou sua calça, o colocou de pés e com um pouco de dificuldade despiu-a.

Lean estava nervoso, estava ali. Diante do amor de sua vida, que se encontrava apenas de cueca, pronto para tomar um banho, que ele daria. A cor da cueca? Ta aí uma coisa que não se deve contar! Coitado. O garoto nem conseguiu achar em si testosterona suficiente para promover uma ereção, todos os seus hormônios haviam sido transformados em adrenalina.

O banho dado foi bastante superficial, era mais pra que a água gelada caísse no garoto. Lean esforçou-se o máximo pra não se aproveitar do amigo, queria-o e muito, mas não ali. Não daquele jeito.

Nesta época, Lean ainda nem tinha ganho dos pais uma cama com um outra auxiliar em baixo, assim só tinha uma cama para que dormissem. E tudo o que Lean queria era dormir no canto, mas achou mais prudente colocar o bêbado longe da beira, para que não caísse. E Lean se deitou ao seu lado, depois de ter limpado o vômito e de ter tomado o próprio banho. Ligou o condicionador de ar e os cobriu.

Uma cama de solteiro. Perfeita para corações apaixonados. Ali, deitados, os dois obrigatoriamente, se tocavam. Algumas obrigações são prazerosas. E Lean sonhando, mesmo antes de dormir. Mário acordou, sentou-se na cama e chamou Lean, que fingia dormir.

"Lean?"

"Oi."

"Se incomoda se eu for pra beira, é que eu prefiro."

"Não."

E por um instante, Mário se deitou sobre Lean, enquanto trocavam de lado na cama. Não demorou muito e o braço esquerdo de Mário estava embaixo da cabeça de Lean, que estava recostada no peito do outro. O que era aquilo? Mais uma vez! Amizade? Amor? Lean sonhava, dormindo, acordado, não teve muita noção.

"Café forte?" Lean perguntou quando o amigo chegou à cozinha.

"Sim, aceito." Respondeu uma linda e muito rouca voz. O sol invadia sem piedade a cozinha de Lean.

"Senta aí. Toma café. To cansado de fazer isso sozinho, meus pais estão viajando desde quarta." Mário sentou-se ao lado de Lean e seus pés se encontraram em algum lugar embaixo da mesa.

"Me fala aí, Lean. O que aconteceu ontem, hein?" Perguntou pegando a xícara de café da mão do outro.

"Bom, longa história... Você bebeu, bebeu e bebeu, e suponho que tenha bebido mais um pouco", Lean sorriu distraído, com os dentes e com os olhos. Mário gostava de quando o amigo ria assim, fazia-o feliz. " No fim da festa eu fui olhar pela casa, sei lá, por idiotice, não sei. Queria ver se tinha algo quebrado. E você tava lá. Caído atrás do sofá, daí eu te acordei e..."

"Eu vomitei o seu tapete, você me deu banho, me levou pro seu quarto e me vestiu uma roupa, agente dormiu junto na sua cama e... obrigado pelo presente" Mário concluiu.

"Como assim?! Que presente?"

"A cueca que você vestiu em mim. Era nova, eu vi. Você tirou da embalagem. Mas não precisava tanto, podia ate ser uma velha, ou até mesmo suja, seria sua Leão. Eu confiaria." E riu.

"Você é doido." Leia tomou um gole de café com leite. "Lembra de tudo, cara?"

"Tudinho. Principalmente de todo o seu carinho cuidando de mim. Eu não fico doido enquanto bêbado, só fico mau fisicamente minha psique fica sempre legal. Quero dizer, não saio de mim."
Ai, ai!

"Quando eu perguntei o que tinha acontecido," continuou Mário, "não estava me referindo ao porre, mas à parada da Fernandinha." Lean empalideceu. Outra vez aquele assunto? Logo àquela hora do dia! Tava tudo indo tão bem.

"Nada. Ela tava muito bêbada, falei pra ela o que você mandou, ela sorriu e me disse: "Sabe que eu te amo, né? Você é meu melhor amigo.". Tadinha." Mentira deslavada! Ou isso, ou contar toda a verdade, mas não podia.

"E foi por isso que você a levou pro seu quarto, pra cuidar dela?" Lean olhou pra Mário.
"Quê?!" Fez-se de tonto.

"Eu vi, Lean" Mário deixava um tom de impaciência e decepção escapar na sua voz; percebeu isso, e tentou algo mais tranquilo. "Não precisa mentir, cara. Sou seu amigo. Pegou ou não?!" Não conseguiu esconder a ansiedade na pergunta.

"Claro que não." Lean sentia o peso de ser amigo de quem amava, se ele se sentia tão entusiasmado com uma possível ficada sua, era porque não tinha o menor interesse. "Ela falou um monte de besteiras. Ela só queria atenção, sabe? O cara que ela gosta não tá na dela." Meias verdades. Isso existe?

"Pior que isso é viver na incerteza. Dúvida, sem saber se tá ou não na sua."

"Ah, sem essa, Mário! Qualquer garota fica caidinha por você. É só você escolher." Lean tentava saber quem era a tal.

"O que acontece é que eu não quero nenhuma delas." Mário separava as partes do biscoito recheado concentradamente. "Quem eu amo tá além dessa gente, mas das duas uma: ou não tá nem aí pra mim, ou vive no mundo da lua, a ponto de não perceber."

"Vai ver ela pensa a mesma coisa." Lean, impaciente querendo uma brexa, que Mário se traísse e dissesse um nome, mas não.

"É, vai ver pensa. E faz muito tempo eu sonho em saber o motivo de você ter ficado tão alterado com essa história toda ontem."

"Como assim há muito tempo?! Isso foi ontem!"

" O tempo? O tempo é uma coisa muito misteriosa. Um dia você vai entender."

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